domingo, 30 de setembro de 2012

Mudam-se os tempos, Muda-se o ser

Que a medida é extremamente inteligente, acho que é. Que os empresários que se apresentaram contra a medida são completamente ignorantes, não passariam do primeiro ano do meu curso na faculdade, isso não tenham dúvida.  -- António Borges 
Até há bem pouco tempo, eram os pseudo-intelectuais, geralmente de esquerda, que gostavam de chamar ignorantes e analfabetos aos empresários portugueses. Agora é o Cardeal Richelieu de um governo de direita eleito com um programa liberal que insulta os empresários. 
A ironia deste mundo é tramada

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Emprego e TSU: o papel da Academia -- Artigo de Opinião

Luís Aguiar-Conraria, Fernando Alexandre, Pedro Bação, João Cerejeira, Miguel Portela*
No dia 7 de Setembro, o primeiro-ministro de Portugal comunicou ao país que vai cortar os salários dos trabalhadores portugueses em cerca de 2,8 mil milhões de euros, transferindo grande parte desse corte, 2,3 mil milhões, directamente para as empresas. Esta proposta, que consiste numa redução da taxa social única (TSU) suportada pelas empresas e num aumento da TSU suportada pelos trabalhadores, foi apresentada como uma desvalorização fiscal que promoveria o aumento do emprego e a competitividade da economia portuguesa.

Esta ideia foi recebida com curiosidade por quem estuda economia. Na literatura económica, desvalorização fiscal era, numa primeira fase, sinónimo de subsidiar exportações e taxar importações; mais recentemente, tem sido associada à redução dos impostos à produção em simultâneo com o aumento dos impostos ao consumo. Na proposta do Governo, a quebra de receita resultante da redução das contribuições sociais das empresas era compensada com um aumento das contribuições dos trabalhadores, o que resultava num aumento global da TSU de 34,75% para 36%. Ou seja, procurava-se reduzir os custos salariais aumentando os impostos globais sobre o salário. É legítimo a qualquer economista questionar a eficácia destas medidas. Por isso, esperámos pela fundamentação desta proposta pelo ministro das Finanças, um reputado economista.

No entanto, na sua comunicação, o ministro das Finanças limitou-se a mencionar "estudos" que apontavam para a criação de 50 mil empregos. Se é verdade que a troika nos habituou a este tipo de anúncios, a proposta de transferir mais de 2 mil milhões de euros dos trabalhadores para as empresas referindo apenas estudos anónimos e não escrutináveis não é próprio de uma democracia da Europa Ocidental.

Com consciência cívica, fizemos o que nos competia e o que era possível fazer em quatro dias. Recorremos ao estudo que mais vezes é usado para defender a desvalorização fiscal, um estudo do FMI que analisa econometricamente os efeitos de uma descida da TSU das empresas compensada por uma subida do IVA. Ou seja, ancorámos o nosso trabalho a um estudo que já sabíamos ser favorável à desvalorização fiscal e aplicámo-lo à proposta do Governo. Os nossos resultados não confirmaram os efeitos anunciados pelo Governo. De facto, concluímos que as alterações propostas levam à destruição de emprego. A ancoragem ao estudo do FMI era a melhor forma de defendermos a objectividade do nosso trabalho num tema tão actual e premente. Esta opção não torna o nosso estudo imune a críticas, mas, infelizmente para quem nos ataca, as críticas relevantes aplicam-se também ao estudo do FMI utilizado para defender a desvalorização fiscal.

Sabemos que a economia não é uma ciência exacta e muito menos uma ciência consensual. Abordagens diferentes conduzem muitas vezes a resultados diferentes. O nosso estudo usa um modelo econométrico. Quem usar outros modelos, sejam empíricos ou teóricos, poderá chegar a conclusões diferentes. É isso que ensinamos aos nossos alunos.

Demos uma contribuição para o debate sobre a proposta do Governo, mas são essenciais outras contribuições da Academia Portuguesa. Os investigadores das universidades são pagos com os impostos dos portugueses. Muitos de nós usufruíram do privilégio de ir fazer doutoramentos nas melhores universidades do mundo com bolsas pagas pelos contribuintes. Nesses doutoramentos, adquirimos as capacidades técnicas para estudar estas políticas. As universidades têm de ser espaços de liberdade, sendo fundamental a sua participação no debate público. Os erros de políticas públicas que resultam de uma avaliação incipiente são uma das causas da crise que Portugal enfrenta. Se os académicos não contribuíssem para uma discussão mais rigorosa e informada, num caso em que se anunciava uma transferência de rendimentos de mais de 2 mil milhões de euros, então para que serviria a Academia?

Também do Banco de Portugal, entidade com estatuto de independência perante o Governo, se espera um contributo público. O seu departamento de estudos económicos tem recursos e capacidade técnica para analisar esta e outras propostas alternativas. Quando, no ano passado, se discutiu a descida da TSU das empresas compensada por uma subida do IVA, o Banco de Portugal simulou esta política, num modelo computacional de equilíbrio geral dinâmico, chamado PESSOA. Não seria razoável realizar um estudo semelhante também para este caso, bem como para as outras propostas que estão na mesa?


*Autores do estudo Emprego e TSU, que pode ser encontrado em: http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=579057

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Uma possível alternativa

Depois de o governo ter tido algum tempo para estudar o acórdão do Tribunal Constitucional, eu esperava que a substituição do corte dos subsídios para a função pública (e reformados) fosse algo que decorresse nas seguintes linhas:
  1. Que tivesse havido uma definição mais clara do que são os cortes temporários e o que são os cortes definitivos. Sob o meu ponto de vista, os cortes definitivos são os cortes que têm de ser suportados pelos funcionários públicos. Os temporários são aqueles a que deve corresponder um esforço nacional.
  2. Supondo que a redução a poupança de longo prazo que se pretende fazer com a função pública obriga a que se perca um dos subsídios, então a subida dos descontos dos funcionários públicos para a Segurança Social é uma boa solução. No caso, passar de 11% para 18%.
  3. O resto são os sacrifícios que devem ser partilhados por todos, incluindo os funcionários públicos, e nunca numa base classista. Tal deve ser conseguido via IRS (também aumentando a progressividade) e aumentando as taxas e impostos sobre os rendimentos e riqueza que escapem ao IRS.
Provavelmente, tal corresponderia, grosso modo, a tirar 1,5 subsídios aos funcionários públicos (1 a título permanente) e meio subsídio à restante população. Como dizia o Fernando numa entrada anterior, numa situação de tão grave crise, a equidade nos sacrifícios é essencial. Penso que era com uma medida deste tipo que quase toda a gente contava. Se tivesse sido proposta não se teria gerado tanta comoção social.

O facto de os cortes serem feitos via IRS tem vantagens importantes. Por exemplo, numa família em que um dos cônjuges esteja desempregado, o IRS reflectirá isso. Outro exemplo, em 2012, uma funcionária pública que ganhasse 1100€ e estivesse casada com um desempregado perdia dois salários; já um casal de pessoas em que ambas trabalhassem no privado, mesmo que ganhassem 3000€ cada, nada perdia. Pura e simplesmente, esta discriminação classista era, na minha opinião, injusta.

PS Nisto que escrevi não tive em consideração que os cortes dos funcionários públicos não são de dois subsídios, mas sim de dois subsídios mais um corte extraordinário que pode ir até 10% (sendo 5% em média,  quase um salário). Ou seja, mesmo nas medidas que se querem temporárias, os funcionários públicos continuam a fazer um sacrifício adicional. Por outro lado, é verdade que esse corte de 5% também serve para corrigir o disparate que foi o aumento de 3% da função pública em ano de eleições.

domingo, 23 de setembro de 2012

Alternativas?

A ideia de que as alterações nos descontos para a Segurança Social eram necessárias para contornar a decisão do Tribunal Constitucional é muito discutível. Na verdade, a grande maioria dos constitucionalistas que se pronunciaram disseram claramente que as inconstitucionalidades se mantinham. Que me tenha dado conta, a única excepção foi Vital Moreira, que, por sua vez, já tinha opinado pela constitucionalidade do Orçamento de Estado, que foi declarado inconstitucional. Desse modo, a sua opinião vale o que vale.
O impacto orçamental das variações da TSU, tudo somado, era muito próximo de zero. Ou seja, esta medida não era orçamental. Qualquer outra medida que tenha um impacto orçamental relevante (presumo que via aumento de receitas fiscais) não é uma medida substitutiva. É, isso sim, uma nova medida de política.

Distribuição de sacrifícios em democracia


Um anónimo abaixo pergunta-me implicitamente se não seria melhor a proposta do Governo para a TSU do que a mais do que provável alternativa de retirar um salário a todos os trabalhadores, que não será entregue às empresas.
De facto, desde 2011, a muitos funcionários públicos já retiraram 3 (TRÊS) salários e os resultados para a consolidação orçamental são decepcionantes, bem como para o emprego (aqui, apesar de tudo, expectáveis).
Sendo obrigado a tornar os sacrifícios mais equitativos, será difícil ao Governo escapar a uma medida que retire um salário aos trabalhadores do sector privado. Esta teria sido a medida mais adequada no orçamento para 2012. Teríamos tido mais exigência de toda a sociedade em relação à redução da despesa pública. Se essa tivesse sido a opção, a melhoria das nossas contas externas teria sido verdadeiramente espectacular (infelizmente, não tenho a certeza em relação à redução da despesa pública). Com a opção do Governo em retirar dois salários à função pública (a somar ao que tinha retirado a muitos funcionários públicos em 2011) e não tributar o rendimento dos trabalhadores do privado houve uma larga parte da população portuguesa (a que não perdeu o emprego, nem viu o salário reduzido) para quem 2012 foi um ano 'normal'. E isso não é normal quando vivemos a mais grave crise do pós- 25 de Abril.
Um dos graves erros da proposta de alteração da TSU pelo Governo era precisamente propor a transferência de rendimento directamente dos trabalhadores para os proprietários da empresa. O Governo não ter fundamentado as vantagens que daí poderiam decorrer em termos macroeconómicos foi um erro crasso. Não perceber as consequências dessa medida para a paz social é simplesmente cegueira, que nos deve deixar a todos muito preocupados.
O Governo tem dois problemas muito difíceis pela frente: consolidação orçamental, num contexto de grave recessão e desemprego galopante. O Governo quis com uma medida atacar os dois problemas. No entanto, não conseguiu convencer ninguém da sua benignidade em relação a qualquer deles. Essa persuasão faz parte das regras no processo de decisão das políticas económicas num regime democrático (mesmo que intervencionado pela troika).

Em relação à pergunta concreta que o anónimo me faz: acho que, para esse caso como para o dos efeitos da medida proposta para a TSU, devemos todos fazer essa pergunta ao Banco de Portugal, que certamente estimou os efeitos das várias alternativas. Infelizmente, não conhecemos os resultados...

sábado, 22 de setembro de 2012

Investigação e avaliação de políticas


A propósito da discussão dos impactos no emprego das propostas para a alteração da TSU, recordo o que escrevi, em Junho de 2008, aqui na Destreza:

“(…) a inexistência de "think tanks" que analisem a economia portuguesa é uma lacuna para o conhecimento da sua dinâmica e para um escrutínio independente das decisões de política económica dos Governos. Ou seja, a ausência daquelas instituições não públicas é uma debilidade da nossa economia e da nossa democracia. Neste contexto, Teodora Cardoso (então no Banco de Portugal) lamentou recentemente, num programa da televisão do Estado, a pouca atenção que as universidades portuguesas dedicam à investigação da nossa economia.”

A situação melhorou desde essa altura, em parte por causa do interesse suscitado pela crise, mas ainda temos um longo caminho pela frente.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O impacto no emprego das alterações nas contribuições dos trabalhadores e das empresas


Dado que não conhecemos nenhum estudo sobre o impacto das variações da TSU no emprego, motivo alegado pelo governo na sua proposta, eu e quatro colegas decidimos fazer esse estudo por nós próprios. O estudo é público, os dados são públicos, a programação econométrica é pública. Tudo está disponível online para que o escrutínio público seja feito.
O sumário executivo com a nossa motivação e com as conclusões a que chegámos segue em baixo.

Emprego e TSU: O impacto no emprego das alterações nas contribuições dos trabalhadores e das empresas

Sumário executivo

Nos últimos anos, vários países reduziram as contribuições das empresas para a Segurança Social com o objectivo de melhorar a competitividade externa das economias e estimular a criação de emprego. Nesta linha, o governo português propôs uma descida da contribuição das empresas para a Segurança Social ao mesmo tempo que aumenta a contribuição dos trabalhadores, resultando num aumento das contribuições totais. Mais precisamente, propôs uma diminuição da contribuição das empresas para a segurança social em 5,75 pp (pontos percentuais) e um aumento de 7 pp para os trabalhadores, o que resulta num aumento da contribuição total em 1,25 pp.
A originalidade da proposta do governo português resulta de ambos os encargos incidirem sobre o mesmo factor, ou seja, procura-se reduzir os custos de trabalho aumentando globalmente os encargos sobre o trabalho. Esta novidade torna-a, do ponto de vista intelectual e académico, numa questão muito interessante.
Com o objectivo de estudar o impacto das variações dos descontos para a Segurança Social, contribuindo para um debate informado, desenvolvemos modelos analíticos e econométricos que nos permitem analisar a política proposta.
Do ponto de vista teórico, demonstramos que o impacto da proposta de alteração da TSU depende crucialmente dos pressupostos de partida, não sendo possível alcançar resultados inequívocos relativamente aos efeitos positivos ou negativos sobre o emprego.
Assim a análise dos efeitos desta proposta do Governo terá, necessariamente, de ser empírica. De acordo com o modelo empírico estimado, as alterações dos descontos para a Segurança Social levam a que se perca cerca de 33000 empregos. Considerando um intervalo de confiança de 95%, os nossos resultados sugerem que a perda de empregos pode ser na ordem dos 68000. Por outro lado, na melhor das hipóteses o impacto sobre a criação de emprego é praticamente nulo, apenas criaria 1000 empregos.
Concluímos também que na sequência das propostas apresentadas, é de esperar um aumento do peso do desemprego de longa duração no desemprego total.

Luís Aguiar-Conraria
Fernando Alexandre
Pedro Bação
João Cerejeira
Miguel Portela

sábado, 15 de setembro de 2012

O regime de capitalização está mais próximo do que se pensa

‎"Trabalho desde os 19 anos (...) Ao longo de quarenta anos descontei para a CGA, na convicção de que, ao chegar o dia, usufruiria de uma boa reforma. Enganei-me." Maria Filomena Mónica no Expresso.

A vantagem da minha geração é que, embora pagando cada vez mais impostos (os 10% que a MFM refere já eu e outros funcionários públicos pagamos desde 2011), sabemos que não vamos ter uma boa reforma.

Se a geração da MFM está arrependida dos descontos que fez o que dirá a minha dos descontos que faz para pagar a sua reforma? Mais depressa do que se espera teremos os trabalhadores a exigir a transição para um sistema de capitalização. Tem razão a MFM em estar preocupada.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Aumentam-se os descontos para a Segurança Social porque a sua descida deu resultados em outros países

Lê-se a entrevista ao chefe de missão do FMI e não se acredita:
  • P.1 Mas a medida tomada é mais ou menos neutra em termos orçamentais. Por isso se questiona: irá mesmo ter impacto no emprego? 
  • R.1 A nossa convicção é a de que sim. É que irá suportar a procura de emprego.

  • P.2 Esta medida foi posta em prática em algum outro país? 
  • R.2 Várias formas de desvalorização fiscal foram postas em prática em outros países. Tipicamente, o modo como é feita é aumentando o IVA. 

  • P.3 Mas na forma como foi feita, com aumento das contribuições dos trabalhadores, não têm nenhuma experiência? 
  • R.3 Algo que já foi feito foi comparar a TSU praticada em Portugal com a de outros países. Os níveis estão adequados agora. A contribuição total não é excessiva quando comparada com os outros países. 
Está explicado como é que se chegou a esta alteração da TSU:
  1. A não-resposta à terceira pergunta deixa bem claro que o que estão a tentar fazer em Portugal nunca foi feito em mais lado nenhum. 
  2. A resposta à segunda pergunta é de um desplante criminoso: justifica-se a subida da TSU em Portugal (de 34;75 para 36%) argumentando que a sua descida em outros países teve efeitos benéficos.
  3. Finalmente, a primeira resposta diz-nos que, perante a falta de qualquer evidência teórica ou empírica que justifique este absurdo, a convicção do homem é suficiente para pôr o país em convulsão social. Meus caros: in God we trust, all others bring data!
Isto é de gente obstinada que não usa a razão. Enfim, renovo o meu pedido:

PARA QUE SE VALORIZE O ESTUDO E A TOMADA DE DECISÕES FUNDAMENTADAS EM VEZ DO EXPERIMENTALISMO SOCIAL, PODE O GOVERNO DISPONIBILIZAR OS ESTUDOS, BEM COMO OS DADOS QUE OS SUPORTAM, QUE JUSTIFICAM O AUMENTO DA TSU, BEM COMO A ALTERAÇÃO DA REPARTIÇÃO DO SEU PAGAMENTO ENTRE TRABALHADORES E EMPREGADORES?

Centralismo liberal

O João Miranda passa a vida a criticar os socialistas porque estes têm a mania de saber o que é melhor para as pessoas impondo por lei o que as pessoas livremente não querem. Este argumento aplica-se a tudo: à proibição do tabaco, ao uso de cinto-de-segurança, à escola pública, ao sistema nacional de saúde, à polícia, enfim, a tudo aquilo de que o leitor se consiga lembrar. E este argumento está, muitas vezes, certo. Mas, pelos vistos, não se aplica às mudanças na TSU. Não importa que todos os empresários que falaram se tenham manifestado contra elas. Não interessa que o representante da CIP diga isto
"Nunca a descida da TSU para as empresas devia ser compensada pelos trabalhadores". António Saraiva diz que Passos Coelho "ignorou" e "agrediu" a concertação social. Pede-lhe que faça marcha atrás e que dê sinais de "ética".
Nada disto interessa. O que interessa é que o Estado (e o João Miranda, já agora) sabe o que é melhor para as empresas. É o liberalismo planificado.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

APELO

Foi há uns anos, a pretexto da falta de estudos sobre o projectado aeroporto da Ota, que houve um movimento de blogues, apoiado pelo Abrupto, com o seguinte apelo: pode o governo sff colocar em linha os estudos sobre o aeroporto da Ota para que na sociedade portuguesa se valorize mais a “busca de soluções” em detrimento da “especulação”?

Não estará na altura de lançar um movimento semelhante a pretexto do aumento e da alteração da repartição dos descontos para a Segurança Social? Não é crível que uma mudança legislativa que vai transferir mais de 2000 milhões de euros dos trabalhadores para o patronato, experiência absolutamente inédita no mundo civilizado, seja feita sem ser com base num estudo de qualidade inatacável. É essencial que esse estudo, bem como os dados que o suportam, seja sujeito ao escrutínio da sociedade civil e, em particular, sujeito ao escrutínio da comunidade académica. Assim, lanço um apelo:

PARA QUE SE VALORIZE O ESTUDO E A TOMADA DE DECISÕES FUNDAMENTADAS EM VEZ DO EXPERIMENTALISMO SOCIAL, PODE O GOVERNO DISPONIBILIZAR OS ESTUDOS, BEM COMO OS DADOS QUE OS SUPORTAM, QUE JUSTIFICAM O AUMENTO DA TSU, BEM COM A ALTERAÇÃO DA REPARTIÇÃO DO SEU PAGAMENTO ENTRE TRABALHADORES E EMPREGADORES?

Na RR sobre as alterações na TSU


Um comentário na Rádio Renascença sobre as alterações na TSU:

http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=24&did=76819#.UE9Fbb4hjqA.facebook

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Precisarão de ajuda profissional?

O efeito imediato da alteração da TSU será uma descida dos descontos de 2,3 mil milhões de euros para as empresas e uma subida dos descontos dos trabalhadores de 2,8 mil milhões de euros. Obviamente, o seu consumo vai diminuir. Admitindo que a taxa de poupança é de 13%, isso quer dizer que o consumo vai cair em cerca de 2,43 mil milhões de euros. Se a taxa média de IVA for de 18% então isso quer dizer as receitas do IVA caem quase 440 milhões de euros.  Resumindo, o impacto orçamental imediato desta medida será de 2,8-2,3-0,44=0,06 mil milhões de euros, praticamente nulo (e isto sem entrar em linha de conta com os tais créditos fiscais que compensarão parcialmente os salários mais baixos).

Numa entrada aí em baixo, disse que a alteração da TSU era uma medida ideológica e não económica. Hoje, ouvindo Vítor Gaspar e as suas justificações atabalhoadas acho que nem isso. Esta medida não serve para cumprir metas da troika, não serve para promover emprego, não serve para aumentar a competitividade e até os empresários beneficiados são contra a medida. Enfim, apenas serve para reduzir salários. Nem sei que pense. Será patológico?

Pura curiosidade académica

O ministro Vítor Gaspar anunciou ter na mão vários estudos que confirmam a ideia de que aumentar os descontos para a Segurança Social e transferir os encargos da empresa para o trabalhador aumenta a competitividade externa e o emprego. Este é o mesmo ministro que se recusou a baixar a TSU por contrapartida de um aumento do IVA fiscalmente neutro.
Enquanto académico especializado em modelização macroeconómica e macroeconométrica, confesso a minha curiosidade em ver os estudos empíricos ou os modelos económicos que suportam estas conclusões: baixar a TSU e subir o IVA é mau; subir a TSU total, aumentando os encargos dos trabalhadores reduzindo os das empresas é bom.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Concluindo


Eu resumiria assim. Vejo dois efeitos com a alteração prevista relativa aos descontos para a Segurança Social.

1º Um efeito rendimento a favor das empresas. Pelo menos enquanto não houver renegociações salariais, os donos das empresas ficam mais ricos (não estou a considerar possíveis efeitos de redução da procura interna) à custa de menores salários.
2º Um efeito preço contra novas contratações. A contracção de novos trabalhadores fica mais cara devido ao aumento de 34,75% para 36% dos descontos para a Segurança Social.

Quanto ao primeiro efeito, poder-se-á, eventualmente, argumentar que contribui para diminuir o crescimento do desemprego principalmente por evitar a falência de algumas empresas.
O segundo efeito tem como consequência inevitável o oposto. Ao se tornar as novas contratações mais caras, promove-se a manutenção do desemprego.
Dado que os dois efeitos têm sinais contrários, o mais provável é que o impacto desta medida sobre o desemprego seja praticamente nulo. Esta conclusão sai reforçada se tivermos em conta que os efeitos recessivos sobre a procura anularão (pelo menos parcialmente) o primeiro efeito.

Decompondo o efeito dos descontos para a Segurança Social

O anunciado aumento dos descontos dos trabalhadores em 7 pontos percentuais (pp) é compensado por uma descida nos descontos efectuados pela empresa em 5,75 pp e pela descida das receitas do IVA provocada por mais uma contracção no consumo.
Qual o principal efeito desta medida? Permitir que haja um ajustamento em baixa dos custos salariais em Portugal, desafogando algumas empresas, evitando que estas tenham de despedir trabalhadores. Parece ser uma medida razoável de combate ao crescimento do desemprego. Infelizmente vem tarde demais e, neste momento, o mais provável é que seja um erro. Explico porquê.
Muitos economistas alertaram em devido tempo para a necessidade de baixar o consumo interno para reequilibrar as nossas contas externas. Lembro-me de Vítor Bento, mas também aqui o Fernando Alexandre sempre defendeu o corte do subsídio de férias para toda a economia. E esses economistas sempre deixaram muito claro que apenas haveria dois caminhos para atingir esse equilíbrio: ou uma descida generalizada de salários ou o aumento do desemprego. Não se fique com a ideia de que só os mauzões dos neoliberais disseram isto: Blanchard e Krugman, só para citar dois economistas famosos bastante respeitados à esquerda, apontaram para o mesmo problema.
Não se seguiu o caminho de baixar os salários. Naturalmente, o desemprego disparou. E disparou de tal forma que o consumo interno (ajudado pelos cortes aos pensionistas e funcionários públicos) caiu o suficiente para reequilibrarmos a nossa Balança de Transacções Correntes com o exterior. O ajustamento está feito. As nossas necessidades líquidas de financiamento externo estão próximas do zero.
Fica a pergunta: com esta descida de salários vai-se reduzir o desemprego de forma relevante? Duvido muito. Em primeiro lugar, já havia, e há, isenções nos descontos para a SS em novas contratações, especialmente aquelas de que beneficiassem jovens à procura de primeiro emprego e desempregados de longa duração. A essas contratações, esta nova medida (quase) nada acrescenta.
Em segundo, o mais relevante desta medida é o valor total dos descontos para a SS. Ora esse vai aumentar, e não diminuir. Para perceber isso note que ao trabalhador o que interessa é o salário que recebe, após descontos. Para a empresa, o relevante é o custo total, ou seja salário mais despesas com SS. Pelas discussões que tenho tido, vejo que há tantas dificuldades em entender isto que me vejo obrigado a dar um exemplo muito simples: Imagine que uma empresa oferece a um desempregado um ordenado líquido de 1000. Quanto vai custar esse novo trabalhador à empresa? Com as novas regras, os custos totais serão de 1439,02, com as regras antigas os custos seriam1390,45. É só fazer as contas. Ou seja, com as novas regras, a contratação fica mais cara. Se a empresa quiser contratar um novo trabalhador por um dado salário líquido tem de gastar mais dinheiro. Isto não é um incentivo, é um desincentivo a novas contratações.
Vejo escrito em muito lado (aqui, por exemplo) que esta é a tao famosa desvalorização fiscal que se discutiu no início do mandato deste governo. Tal ideia parece-me um disparate completo. A desvalorização fiscal assentava em dois pilares: (1) redução dos descontos para a segurança social, (2) compensada por um aumento do IVA. A redução dos descontos, garantia a descida dos custos das empresas que produziam nacionalmente. A subida do IVA garantia a subida do preço dos bens importados. Ou seja, simulava-se uma desvalorização monetária (ou seja, o preço dos bens exportados diminuía, o dos bens importados aumentava e haveria alguma inflação). Isto que está a ser proposto não é uma desvalorização fiscal, é uma desvalorização salarial. Procura-se aumentar a competitividade das empresas exportadoras à custa da redução dos salários líquidos dos seus trabalhadores.
Dado que as contas externas estão equilibradas (ainda em Julho as exportações subiram 7% e as importações continuaram a cair), que  pouco contribuirá para combater o desemprego e que é fiscalmente neutra, eu diria que esta medida é essencialmente ideológica e não económica. O consenso político em torno da aprovação dos orçamentos de estado foi desfeito.

Update

Já passou um fim-de-semana desde o anúncio de Passos Coelho. Algumas coisas estão mais claras agora e também ficou mais claro o que ainda é opaco.
Em relação à minha reacção de 6ª feira, há algumas coisas que devem ser corrigidas. Escrevi que com estas medidas o sentido de equidade tinha ido ao ar dado que o aumento da TSU atingia os salários mais baixos também. Neste momento, percebo que estão a ser consideradas medidas para anular, ou atenuar, esses efeitos nos salários mais baixos. Até sabermos que medidas são essas não vale muito a pena discutir esse assunto.
Segundo, eu interpretei a ausência de novas medidas como sendo um sinal de que a Troika iria ser mais flexível com as metas do défice quer deste ano quer do próximo. Pelo que fui vendo na comunicação social, não será esse o caso e novas medidas de austeridade serão ainda anunciadas. (A confirmar-se, espanta-me a falta de capacidade negocial do governo depois de já ter conseguido descer tanto a despesa pública.)
Sendo assim, o que escrevi sobre a inconstitucionalidade destas medidas fica em standby. Como escrevi, considero que as medidas anunciadas não respondem (nem de longe nem de perto) aos desafios colocados pelo acórdão do tribunal constitucional. Mas também é verdade que o novo pacote de medidas a ser adoptado poderá contemplar essas críticas. Conclusão, ainda é cedo para discutir a eventual inconstitucionalidade do Orçamento de Estado para 2013.
Então o que fica do anunciado por Passos Coelha na 6ª feira? O corte de 2 mil milhões de Euros de despesa pública, que era conseguido à custa dos vencimentos dos funcionários públicos, continua a ser suportado, na sua totalidade, pelos vencimentos dos funcionários públicos. No sector privado, há uma alteração fiscal que altera a correlação de forças entre assalariados e capitalistas. É sobre este ponto que me debruçarei na próxima entrada.

domingo, 9 de setembro de 2012

Declarações de três perigosos liberais


Escrevia, em 1776, Adam Smith, o pai do liberalismo económico:
O soberano só tem três deveres a cumprir (…) O primeiro é o dever de proteger a sociedade da violência e das invasões de outras sociedades independentes (…) O segundo é o dever de proteger, tanto quanto possível, todos os membros da sociedade contra a injustiça ou ataques de qualquer outro membro, ou o dever de instituir uma exacta administração da justiça (…) E o terceiro e último dever é o da criação e manutenção daqueles serviços e instituições que, embora possam ser altamente benéficos para uma sociedade, são, todavia, de uma natureza tal que o lucro jamais poderia compensar a despesa para qualquer individuo ou pequeno número de indivíduos.
Neste terceiro “dever” do Estado, cabe lá muita coisa. Tudo aquilo que não seja susceptível de criar interesse nos privados mas contribua, nomeadamente, para o aprofundamento da igualização das oportunidade e da “equidade” – para usar uma palavra tão em voga.
Em 1873, na sua autobiografia, John Stuart Mill declarava que os fins da política social deviam ser:
(...) assegurar a toda a população operária pleno emprego e salários elevados.
Por fim, em 1948, Karl Popper considerava que os filósofos deviam:
(…) discutir o facto de que o princípio da máxima felicidade dos Utilitaristas pode facilmente servir de pretexto a uma ditadura benévola, e encarar a proposta de o substituirmos por um princípio mais modesto e mais realista - o princípio de que a luta contra a miséria evitável deve ser o objectivo reconhecido da política do Estado, enquanto o aumento de felicidade se deve deixar, de uma maneira geral, à iniciativa particular.
É só para lembrar que o Estado social (ainda que “modesto” e “realista”) é  compatível com o liberalismo.

sábado, 8 de setembro de 2012

Pensamentos soltos sobre os cortes anunciados hoje

No acórdão do Tribunal Constitucional (TC) que decidiu pela inconstitucionalidade do corte dos vencimentos dos funcionários públicos e pensionistas era perfeitamente claro que o TC considerava que o princípio da igualdade e o da proporcionalidade tinham sido brutalmente violados ao fazer recair sobre uma pequena percentagem da população um corte tão grande nos seus rendimentos. Ora, o que foi anunciado hoje não corrige o problema enunciado acima, pelo contrário:
  1. Sem prejuízo das considerações que faço nos dois parágrafos a seguir, quer os reformados quer os funcionários públicos e afins terão em 2013 uma situação em tudo idêntica à de 2012. E no sector privado? No sector privado, o que se observa é que há uma subida dos descontos para a Segurança Social (SS) em 7 pp para uma parte da população, compensada por uma descida em 5,75 pp para outra parte da população. Assim, em termos líquidos, o sector privado apenas vê a carga fiscal aumentar em 1,25 pp. Nada que se compare com os funcionários públicos que já perdem cerca de 20% dos seus rendimentos. Por outro lado, os funcionários públicos ao verem “trocado” um mês de salário por um aumento dos descontos para a SS (ou CGA, presumo), passam a pagar mais IRS. Contas por alto indicam-me que em média pagarão entre 1,5 e 2 pp a mais de IRS. Ou seja, a desigualdade entre sector privado e sector público mantém-se praticamente inalterada.
  2. Dentro do sector privado, os trabalhadores vêem os seus impostos aumentados em 7 pp e as empresas vêm os seus descontos sobre a massa salarial a descer em 5,75pp. Enquanto os trabalhadores têm uma penalização bastante forte (cerca de um mês de salário) os detentores do capital têm um bónus. Ou seja, aumenta a desigualdade entre os encargos suportados por diferentes tipo de rendimento (no caso, rendimentos do trabalho e do capital).
  3. Voltando aos servidores do Estado. Em 2012, tinha havido um esforço de equidade. Apenas quem recebia mais de 1100€ descontava a totalidade dos subsídios. Quem ganhasse 600€ ou menos, não tinha tido qualquer penalização. Esta diferenciação tinha sido elogiada pelo TC no seu acórdão. Em 2013, o aumento dos descontos será para todos. Pessoas que ganham menos de 500€ irão perder um salário. Ou seja, mesmo olhando só para os funcionários públicos, os encargos passam também a ser suportados (e de forma brutal) também entre os que menos ganham.
De um ponto de vista estritamente económico, estas alterações fiscais parecem-me apresentar algumas vantagens:
  1. De um ponto de vista global, o aumento da carga fiscal é pequeno. Estávamos todos à espera de um forte agravamento dos impostos. Isto deve indiciar que a Troika não vai ser fundamentalista com o cumprimento das metas.
  2. Fica claro que os servidores do Estado vão perder de forma permanente um salário (aquele que corresponde ao aumento dos descontos para a SS). Acaba-se com a palhaçada dos cortes que são temporariamente permanentes. Assim, é conseguida, de facto, uma redução estrutural na despesa do Estado (já não se pode alegar que é uma redução temporária e, portanto, conjuntural).
  3. É dada às empresas uma oportunidade de reduzir os salários e tornarem-se mais competitivas. Aquelas que estão mais desafogadas financeiramente, não necessitando de reduzir custos, podem sempre aumentar os salários na exacta medida em que reduzem as suas contribuições para a SS. Se isso for feito, o impacto no salário líquido dos trabalhadores é parcialmente anulado. Empresas que estavam com a corda na garganta conseguem aqui uma redução de custos importante, evitando-se assim algumas falências e despedimentos
Vejo nesta medida algumas fortes desvantagens:
  1. Uma brutal descida dos salários generalizada a toda a população e que atinge de igual forma quem tem salários mais baixos. A conflitualidade social deverá aumentar a sério.
  2. Os descontos para a SS passam de 34,75% para 36%. Encarece-se o factor trabalho. A médio prazo, isso traduzir-se-á em salários líquidos mais baixos e numa taxa de empregabilidade mais baixa. Chega-se também ao absurdo de cada um de nós descontar quase 40% do seu salário para um sistema de SS que todos sabem ser insustentável.
  3. Vamos continuar a brincar às constituições, aprovando uma lei que toda a gente sabe ser inconstitucional, mas que se vai fingir que não é. Desafiar desta forma a lei fundamental de um país é dizer adeus ao Estado de Direito. Infelizmente, já sabemos, o presidente da república há muito que jurou que não ia fazer cumprir a constituição. Infelizmente, também não se demite. Veremos como isto vai evoluir.
PS Só ouvi a comunicação uma vez e foi com a minha filha a chatear para mudar de canal. Se percebi algo de errado, corrijam-me, por favor.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012