quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Post onde o autor se refugia num texto curto e palerma sobre o assunto da semana

Considero as praxes uma prática sádica, idiota e absurda – e isto para não falar daquilo que têm de pior. Mas esta semana as praxes tiveram uma consequência inimaginável e para a qual não me sentia preparado: pôr-me de acordo com José Sócrates.
Nos últimos dias as praxes têm sido o ponto forte do comentário público na imprensa, nos blogues e nos táxis. A nota mais relevante que sai dessa opinião generalizada é que neste momento envergonha menos usar um crachá do PSD do que vestir capa e batina. Hoje, os veteranos sentem necessidade de dizer sobre os caloiros o mesmo que os eleitores andam há dois anos a dizer sobre o Governo: “Não fui eu que os pus ali”. Por outras palavras, mais facilmente Pacheco Pereira confessa ter votado em Passos Coelho do que um universitário admite ter praxado outro.
Para mim não existem diferenças entre mal praxado e bem praxado, porque assinalar essa discrepância seria como distinguir entre boa e má tortura. Para ilustrar com um exemplo da história clássica, ter as mãos e os pés bem pregados à madeira e asfixiar rapidamente seria uma boa ou uma má crucificação? Para os que me dizem que sou um exagerado nas analogias que costumo fazer com a praxe – quartéis militares, campos de prisioneiros, arbitragens de Duarte Gomes – dou o exemplo de Jesus Cristo para não me virem com a conversa de que pelo menos as praxes são voluntárias. Jesus também caminhou de livre vontade até à Gólgota com a cruz nas costas para cumprir o seu destino.

(Texto publicado no jornal O Interior)

Post onde o autor se expõe num texto longo e aborrecido sobre o tema da semana

Por uma vez, peço autorização à casa para escrever a sério e sem ponta de ironia - esse recurso estilístico fica para o post seguinte.
A blogosfera tem debatido a praxe nas universidades e, embora com argumentos e pontos de vista diferentes, tem sido quase consensual a opinião de que a praxe é descabida no ambiente académico. Neste debate, saliento os quatro textos seguintes.
João Taborda da Gama considera que a culpa é, por antinomia halbwachsiana, da nossa amnésia colectiva.
Mário Amorim Lopes, num texto weberiano, destaca a praxe como reflexo da cultura portuguesa.
Filipe Faria distingue de forma muito justa a tradição e o mérito.
Manuel Cabral, aqui mesmo no DDD, explica o erro de associar a praxe à integração na vida universitária.
Numa resposta mais pessoal a João Taborda da Gama, Vítor Cunha acha que a tragédia ninguém mais responsabiliza que aos próprios e absolve-se de estar envolvido na tragédia do Meco e no fenómeno da praxe. Não tenho nada a opor ao texto do Vítor, também acredito que os indivíduos se devem responsabilizar pelos seus actos. É precisamente por crer nesse princípio que publicamente me penitencio.
Nunca participei em nenhuma praxe, quer no primeiro ano da universidade - como caloiro - nem nos anos seguintes - como veterano. Não quis ser praxado, não quis praxar. Para ser rigoroso, participei uma vez numa aula fantasma, em que fiz o papel do aluno marrão que não fazia mais nada que não fosse ler livros, de preferência estranhos (o que se tornou mais uma auto-profecia do que uma partida). Por razões que hoje compreendo mal, usei o traje académico naquelas alturas que pareciam importantes - concertos da semana académica, jantares oficiais da Associação Académica e a benção das pastas, esta última por deferência familiar. Uma vez, por faltar a uma convocatória de praxe, todos os meus colegas foram punidos pela minha ausência, num bom exemplo da prática coerciva concentracionária. Não me arrependo de ter faltado, mas hoje sinto que devo um pedido de desculpas aos meus colegas - embora saiba que o culpado desta história não seja o desertor mas o carrasco.
No entanto, a minha penitência não é com o passado, que tem vinte anos e nenhuma relevância actual. Como professor numa universidade, todos os outonos me cruzo diariamente com praxes bem parvas e agressivas. Todos os outonos me indigno, todos os outonos digo aos meus alunos de 1º ano para resistirem e abandonarem a praxe, todos os outonos uso as minhas formas de resistência (como impedir que alunos de pijama ou cara pintada entrem na minha sala, o que até agora tem evitado que os mais velhos os obriguem a andar de pijama ou pintados, pelo menos nos dias das minhas aulas), todos os outonos explico aos alunos do 3º ano o contexto histórico e sociológico da praxe e todos os outonos lhes peço para não alinharem com militarismos e totalitarismos.
Mas todos os outonos me acobardo quando vejo 20 alunos deitados no chão à porta da faculdade ou encostados à parede enquanto alguém lhes grita que eles não prestam. As razões são muitas, como não querer chegar atrasado à aula, o medo do confronto físico ou para evitar um mal estar nas aulas, se por acaso o praxante for meu aluno  - e as três já me aconteceram. Seja como for, é cobardia não me intrometer. E não adianta dizer, como alguns colegas meus, que não é nada connosco. Mas é. Quando há pessoas a ser coagidas, enxovalhadas e até violentadas à porta da faculdade onde trabalho (porque se proibiu a praxe dentro do edifício e se aliviaram as consciências), sim, a culpa e a responsabilidade também são minhas.
Acredito e entendo que o Vítor não tenha razões para se sentir culpado. Eu tenho.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

O problema não é haver rituais de entrada (praxes), é estes terem tomado um formato errado e se prolongarem por demasiado tempo.

Retomo aqui o que escrevi sobre as praxes em 2009... 
Algo que escrevi num momento em que não havia nenhum incidente em especial. 
Escrevi apenas porque considero que é possível ter uma universidade melhor. E isso também passa por mudar as praxes. Relembro apenas que as praxes mudaram muito nos últimos 20 anos, e é também a isso que me refiro. Há 20 anos muitas universidades não tinham praxes, e outras tinham umas actividades dessa natureza durante a primeira semana de aulas e nada mais. A tradição de praxes nos moldes actuais,  tal como a prática do uso generalizado do traje, é muito mais recente do que muitos suspeitam. 
Saliento que a minha oposição, não é tanto, contra a existência de actividades mais ou menos radicais de praxe. É mais contra o formato que as praxes assumiram (pouco imaginativo, aproximando-se do tipo militar ou do das claques), a sua extensão, e o que absorvem de energia, ajudando a criar um vazio de actividades académicas alternativas, que deviam florescer nos meses seguintes à entrada dos alunos.  
Isto é, o que está errado, é  terem passado de umas brincadeiras (com mais ou menos imaginação e mais ou menos violência, educação, gosto) feitas nos primeiros dias do começo do ano (com, em alguns casos, mais alguns momentos pontuais), para a actividade central, que dura quase o ano inteiro, que absorve grande parte do tempo e energia e molda a ideia do que é estar na universidade, como se estar na universidade devesse ser algo parecido com estar no exército ou numa claque de futebol, e não um período em que a afirmação deve salientar o individuo, a imaginação, a criatividade, a diversidade.  

Em baixo segue o artigo

Insultar para integrar será uma boa ideia?

Hoje o principal problema das praxes não é a sua violência. É antes o seu carácter e a sua extensão. As praxes são longas, duram meses, absorvendo demasiado tempo e energia dos alunos. Evoluíram para um modelo militar, em que os alunos ficam em sentido, marcham e recebem ordens e insultos como se estivessem na recruta.

Este modelo serve bem os propósitos da formação de soldados, onde a uniformização e o sacrifício do indivíduo face ao grupo são objectivos importantes, mas dificilmente se percebe na universidade, onde se pretende estimular a criatividade, inteligência e imaginação, e onde a diversidade e a afirmação da diferença deveriam liderar numa fase em que cada aluno procura afirmar a sua identidade.

Mariano Gago tem razão quando, no seu recente comunicado, diz que "a degradação física e psicológica dos mais novos como rito de iniciação é uma afronta aos valores da própria educação e à razão de ser das instituições de ensino superior e deve ser eficazmente combatida por todos".

De facto não lembra a ninguém acolher novos elementos numa instituição começando por os insultar, e continuando a arrastá-los durante todo o ano em actividades inúteis, que acabam por os impedir de se integrarem numa vida académica digna desse nome.

Este modelo de praxe já existe há alguns anos. Há quinze anos já havia abusos e muita estupidez. Afinal, já na altura, os alunos menos interessantes eram os mais interessados em praxar. Mas as coisas acabavam em quinze dias e não se via alunos a marchar ou em formação a olhar para o chão durante meses. A praxe não se prolongava tanto, nem era vista como a principal actividade académica. Hoje, em muitas universidades, é.

Para muitos alunos, a praxe confunde-se com a vida académica. Confunde-se porque ocupa quase todo o primeiro ano e por ser a principal actividade dos alunos do último ano. Confunde-se porque os códigos e rituais da praxe se reproduzem nas festas e noutras actividades.

O modelo de praxe actual é um reflexo do empobrecimento da participação cívica e da vida cultural dos estudantes do ensino superior português, mas é também uma causa deste. Este modelo reproduz em cada nova geração a mesma ideia boçal do que é a vida académica. Os alunos mais interessantes acabam por se ver obrigados a viver à margem desta ou a emigrar de Erasmus para paragens mais estimulantes.

Este empobrecimento está a criar uma geração para a qual passar pela universidade não significa estar mais informado ou envolvido com o mundo. A maioria dos alunos do ensino superior não lê regularmente jornais ou livros, não vai ao teatro, à ópera, não vê cinema diferente do de Hollywood. Para a maioria, a vida académica não cria novos hábitos culturais. 

Este quadro é muito diferente do vivido pelos alunos de outros países europeus. A maior parte destes países não tem praxe. E, no entanto, tem alunos mais integrados numa vida académica saudável.

Quando um aluno entra numa universidade inglesa, é convidado a participar na "Welcome Week". Esta é marcada por jogos, desportos, concursos e actividades culturais e por festas diferentes todas as noites.

A ideia é dar as boas-vindas (por isso "Welcome"). A segunda ideia é integrar os alunos. Assim, esta semana, para além de actividades recreativas e festas, também os convida a aderir a organizações e associações (desportivas, culturais, políticas, lúdicas, etc.) que apresentam as suas actividades e tentam angariar novos sócios. Os alunos juntam-se ao clube de remo, de rugby, de futebol, ou de montanhismo, e também às sociedades de leitura, grupos de teatro e de poesia. Em paralelo, são convidados a participar em organizações como a Amnistia Internacional, Greepeace, WWF, ou a OXFAM.

Todos estes clubes, associações e organizações fazem parte da vida académica europeia e contribuem para a integração dos novos alunos, em paralelo com actividades curriculares e as festas e bares onde os alunos se encontram ou se apresentam com as suas bandas de garagem.
É por esta razão que a "Welcome Week" é apenas uma "Week". Esta semana não é suposto ser a vida académica, serve apenas para abrir e apresentar os alunos à vida da universidade, deixando que escolham a integração com que mais se identificam.

Uma enorme diferença face à praxe que hoje se pratica em Portugal. Uma tortura chata, longa, ordinária e desinteressante, dirigida principalmente pelos alunos menos interessantes, em que os que entram são chateados em actividades sem graça onde apenas conhecem pessoas do mesmo curso.

Este modelo está condenado a desaparecer. Não por proibição. Mas porque os alunos têm de querer mais do que isto. Não por ser imoral. Mas por ser chato e foleiro. É importante começar desde já a dar alternativas dentro dos campi universitários, trazendo mais actividades culturais, promovendo actividades interessantes para os alunos do primeiro ano e estimulando a participação cívica dos alunos. Este é um papel em que os professores, os actuais alunos, o Ministério da Cultura e o do Ensino Superior têm de apostar, se queremos mudar o que é ser um universitário e se queremos que a universidade dê o seu contributo para a vida cívica e cultural de Portugal. 

Ver o original em
http://www.jornaldenegocios.pt/opiniao/detalhe/insultar_para_integrar_seraacute_uma_boa_ideia.html

domingo, 26 de janeiro de 2014

A co-adopção da Teresinha e a superioridade moral de quem defende a co-adopção

Vão ler este artigo de Isilda Pegado: A Coadopção da Teresinha!

É muito interessante porque ajuda a explicar como é fácil quem defende a co-adopção sentir-se moralmente superior. A senhora conta uma história, ficcionada, de uma criança que vivia com a mãe biológica e que ficou órfã de mãe, indo então viver com o pai biológico que entretanto se casou com outro homem. Esse outro homem co-adoptou-a e, por causa disso, perdeu todos os laços com a família da mãe (avós e tios). Enfim, uma tristeza pegada e uma série de horrores sucedem-se.

Ora, há dois aspectos interessantes nesta história. O primeiro é que exactamente a mesma história podia ser contada se o pai se tivesse divorciado da mãe para ir viver com uma mulher e não com um homem. Ou seja, a questão da homossexualidade é puramente acessória e apenas serve para promover o preconceito. Nada de novo, aqui.

O segundo aspecto é mais interessante e é o que motiva este post: a história vai além da ficção, a história é uma mentira pegada. De acordo com o projecto de lei aprovado na generalidade e boicotado pelo PSD, existindo filiação de pai e mãe não há co-adopção. A situação descrita é falsa e o texto apenas serve para promover a ignorância e o preconceito. 

Isto que escrevo não é uma questão de opinião. Está explícito nos requisitos da co-adopção, Artigo 2º, nº 3: 
Não pode ser requerida a co-adoção se existir um segundo vínculo de filiação estabelecido em relação ao menor.
A co-adopção apenas se aplica a crianças que no bilhete de identidade apenas têm o nome de um dos pais. Simplesmente, não existe o segundo. Como não é possível que a Isilda Pegada não saiba disto, a senhora está, simplesmente, a mentir para desinformar e promover o preconceito. Enfim, devia ter vergonha na cara. Essa desinformação está a ser bem-sucedida. A peça já teve mais de 3000 partilhas no Facebook.

Depois há muitos oponentes da co-adopção que desesperam com o ar de superioridade e o tom de despeito dos defensores da mesma. Mas qual é a alternativa? Como é que uma pessoa argumenta que o outro está a mentir descaradamente em nome do preconceito, sem se dar ares de superioridade moral? Até pode ser possível, mas eu não consigo.

sábado, 25 de janeiro de 2014

O medo do isolamento

Nos anos 1950, o psicólogo social Solomon Asch fez a seguinte experiência: em sessões com 8 a 10 pessoas, mostrava-lhes uma folha com uma linha vertical de "referência" e com três "linhas de comparação", sendo que uma destas era exactamente igual à de referência. Os participantes tinham de observar as linhas e dizer qual das três linhas de comparação era igual à de referência. Era uma tarefa bastante simples. A seguir, noutras rondas, havia 7 a 8 pessoas (ajudantes de Asch) que escolhiam deliberadamente uma linha errada, que não correspondia portanto à linha de referência. O único sujeito não avisado do grupo, o único que não estava ao corrente, estava sentado no final da fila. O que se investigava era o que sucedia com o seu comportamento quando submetido a uma pressão unânime que contrariava a evidência dos seus sentidos. Vacilaria? Juntar-se-ia à opinião maioritária, apesar de isso contradizer por completo a sua opinião? Dos 10 sujeitos não avisados, 6 expressaram como sua a opinião da maioria. Isto significa que mesmo numa tarefa inofensiva que não afecta os seus interesses reais e cujos resultados lhes deveriam ser indiferentes a maior parte das pessoas prefere unir-se ao ponto de vista da maioria, mesmo sabendo que está errado. Um século antes, em o “O antigo regime e a revolução”, escreveu Tocqueville: “temendo mais o isolamento do que o erro, asseguravam partilhar as opiniões da maioria.”
Nos finais do século XIX, Gabriel Tarde, um sociólogo compatriota de Tocqueville, dedicou grande parte da sua obra ao estudo da tendência humana para a imitação, sublinhando a necessidade humana de mostrar-se em público de acordo com os demais. Desde então, a imitação é um tema de investigação das ciências sociais, sendo muitas vezes considerada um modo de aprendizagem. Todavia, Tocqueville e Asch chamaram a atenção para outro motivo dessa tendência humana para a imitação: o medo do isolamento e da marginalização. A nossa natureza social faz-nos temer a separação e o isolamento dos outros e, ao invés, a desejar a aceitação e o respeito do grupo. Esta tendência para a imitação e o medo do isolamento vão contra o ideal da autonomia individual. É uma imagem com a qual quase ninguém quer ser identificado, ainda que muitos possam achar que define muito bem "os outros”.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O acordo ortográfico que veio simplificar a escrita

Antes do acordo, havia regras que toda a gente conhecia. Por exemplo, toda a gente escrevia co-autor. E, por analogia, essas mesmas pessoas, ou seja, toda a gente, escreveriam co-adopção.

Entretanto veio um novo acordo ortográfico. E então temos os casmurros, como eu, que escrevem co-adopção e há os progressistas que escrevem coadoção. Tudo bem, são transições.

Mas, para complicar um pouco, o projecto de lei aprovado na assembleia, o Projeto de Lei n.º 278/XII, consagra uma forma diferente: co-adoção. Digamos que é uma fusão das duas normas ainda em vigor. Deve ter sido o consenso a que chegaram os deputados proponentes.

Entretanto, aparece o Daniel Oliveira a consagrar uma quarta forma: a coadopção! Faz sentido, é, tão-só, uma nova forma de fundir as duas grafias. Não sei se o Expresso passará a seguir esta norma. O que sei é que, de momento, a pretexto de uma palavra que nem sequer existia há dois anos, temos quatro formas de a escrever: co-adopção, coadopção, coadoção e co-adoção. Ainda bem que se unificou a língua.

PS Este texto não é nenhuma crítica às pessoas que usaram estas várias formas e até estou curioso em saber se mais alguma aparecerá. Este meu texto é, simplesmente, uma crítica à merda do acordo ortográfico que indispôs a nossa escrita.

Só há uma explicação

Uma pessoa observa o que envolve a FCT e põe a hipótese, benévola, de tudo não passar de incompetência. Comparar o seu funcionamento de há dois anos com o actual é comparar o sol com o inferno. Mas, na verdade, a incompetência é de tal ordem, com erros gravíssimos a sucederem-se a outros erros, que, se fosse só por incompetência, demitiam-se. O facto de não se demitirem é, por si só, a demonstração de que o que se está a passar não é só incompetência: é uma agenda.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Desinvestimento na ciência: uma prioridade do actual Governo


Os orçamentos definem prioridades positivas e negativas. Em 2014, a ciência foi eleita como uma das principais prioridades negativas do actual Governo. O corte de 40% no número de bolsas atribuídas pela FCT é muito superior à descida de 2% na despesa corrente prevista no orçamento de 2014.

Neste caso a ideia de que tem de haver cortes em todo o lado não é válida. Em 2014, se o Governo cumprir o orçamento, a despesa corrente primária será 3,8% menor do que a registada em 2011. Os cortes no acesso à investigação são muito superiores. Comparando com 2011, o número de novas bolsas de doutoramento atribuídas em 2014 será 50% menor, e de pós-doutoramento 66% menor, do que os valores de 2011. 

Não há ciência sem cientistas. Não há volta a dar a estes números. Estes revelam uma estratégia de médio prazo de forte desinvestimento na ciência, e juntam-se a cortes nos orçamentos das universidades também acima da média de redução da despesa corrente. 

Cortes tão acima da média reflectem uma escolha. Uma decisão política. Uma prioridade negativa. Prioridade que se vai reflectir de forma brutal na evolução da capacidade científica e de inovação do país, e que se está já a reflectir num acentuar da fuga de cérebros exactamente entre os mais qualificados dos qualificados, isto é, os doutorados.

O caso é ainda pior, pois ao mesmo tempo que faz cortes, o Governo alterou as regras, aumentou a burocracia, acentuou os gastos em avaliações, cujos próprios avaliadores defendem fazer cada vez menos sentido face a taxas de aprovação ridiculamente baixas.

A importância desta questão excede em muito o meio académico e científico. 

Esta decisão define claramente uma linha estratégica de desenvolvimento. Uma linha em que em vez de se apontar para um reforço da competitividade pelo reforço da capacidade de inovação do país, se despreza este factor chave para a evolução da produtividade, deixando o país entregue à triste alternativa de ser competitivo apenas com base no controlo dos custos salariais. 

Esta opção é assim consistente com a política de baixos salários, já não como um dos pilares, mas como o pilar único de competitividade do país. 

A opção pela redução do investimento em ciência a níveis muito superiores aos da redução geral da despesa é também uma opção ideológica. Parte da ideia de que o Estado não tem nenhum papel a desempenhar no desenvolvimento económico, assente numa visão de que o crescimento é apenas feito pelas empresas. 

Esta não tem sido a visão da generalidade dos países da União Europeia, nem a dos Estado Unidos, onde os apoios públicos à investigação são até superiores aos europeus, nem tão pouco a dos países que apresentaram maiores saltos de desenvolvimento, como a Coreia, Taiwan ou a Malásia. Nestes países considera-se que o Estado, pelo reforço das qualificações e apoio à ciência e inovação, teve um papel determinante para o crescimento. 

Muito do potencial científico desenvolvido nos últimos anos vai acabar por sair do país. Outros países vão beneficiar do nosso investimento, e da criatividade e capacidade destes portugueses. 

Este era o momento de colocar esses recursos e capacidade científica a gerar mais produção e competitividade. E já há muitos exemplos de inovações que fizeram o caminho da investigação das universidades para o mercado, bem como um número crescente de projectos empresariais saídos das universidades. 

Em que medida perder recursos humanos altamente qualificados e reduzir a capacidade de inovação pode ajudar o país a ter maior capacidade para honrar as suas dívidas? 

Como é que a Troika aceita que a redução da despesa seja mais acentuada em áreas que comprometem o crescimento económico? Como pode aceitar uma política tão contraditória com a estratégia 2020, em que a Comissão Europeia coloca a inovação como um factor chave para o desenvolvimento e estabelece metas claras para o aumento do investimento em ciência e inovação em percentagem do PIB.

Este silêncio da Troika, contrasta com o empenho que colocou nas necessárias reformas no mercado laboral. Este empenho no reforço da competitividade pela reforma laboral, em simultâneo com o ignorar das opções do Governo na ciência apontam para uma visão ideológica da própria Troika sobre o modelo de desenvolvimento para Portugal. Uma escolha, em que o modelo de desenvolvimento do país é diferente do que estas instituições defendem para os países da UE. 

Ao não se pronunciar, a Troika está assim a defender, ou no mínimo a negligentemente aceitar, que Portugal deve ter um modelo de desenvolvimento terceiro mundista. Quem é que a mandatou para isso? E em que medida isso pode contribuir para a solvabilidade do país?

Os erros e omissões da Troika não devem servir para desculpar as escolhas políticas do Governo. A escolha de andar para trás na ciência e inovação, que o actual Governo fez, é clara. É um desperdício de um investimento e uma perda de recursos valiosos, que vai limitar o crescimento económico futuro. É uma escolha que devia envergonhar Nuno Crato e Pires de Lima.

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Uma vergonha chamada PSD


Na passada sexta-feira, eu tive vergonha da democracia portuguesa, vergonha de ter contribuído com o meu voto para eleger deputados do PSD, vergonha de quem inventou um referendo por puro oportunismo político, vergonha de quem aceitou a disciplina de voto numa matéria de consciência individual, e vergonha por a co-adopção continuar a ser discutida como se fosse um assunto sobre direitos de adultos quando é, sempre foi e será uma questão básica de direitos das crianças.

Eu estou-me nas tintas para aquilo que os papás gay fazem no quarto, na sala ou na cozinha – acho apenas justo, obviamente justo, escandalosamente justo, que uma criança que é criada por um casal homossexual, e que, em termos legais, só está juridicamente vinculada ao progenitor biológico, possa ver essa protecção alargada ao outro membro do casal, de forma a permanecer na família e manter as suas relações afectivas se acaso o pai ou a mãe biológica lhe faltarem. Por mim, a nova lei até pode ser mais uma movimentação do lóbi LGBT para conquistar o direito de adopção, substituir a bandeira portuguesa pela bandeira do arco-íris e, de caminho, inserir a sodomia no hino nacional. Eu não quero saber do lóbi LGBT. A mim, o que me interessa – a única coisa que me interessa – é que esta é uma lei justa para aquelas crianças. Vou repetir várias vezes, a ver se toda a gente consegue fixar isto. Crianças. Crianças. Crianças. Não adultos. Crianças.

Quem é contra isto, ou acha que é matéria digna de referendo, dê por favor o passo seguinte e tenha a coragem de propor a retirada imediata de todas as crianças à guarda de casais homossexuais, para impedir que jovens portugueses sejam expostos à perniciosa influência de famílias desviantes, cuja reprodução é impedida pelas leis de Deus e da Natureza. Não sei o que é que os neoconservadores do PSD estão à espera. Ou melhor, sei: estão à espera que esta palhaçada garanta votos do eleitorado mais tradicionalista, entretenha o Tribunal Constitucional com alguma coisa que não sejam cortes de despesa e empurre a esquerda de volta para as “causas fracturantes”. E para isso, vale tudo, incluindo enfiar um referendo pela porta do cavalo só para impedir a aprovação de uma lei, colocar a politiquice mais rasteira à frente dos direitos das crianças, incendiar uma bancada parlamentar, humilhar deputados e até abrir brechas na coligação. Bravo, meus senhores.

No meio de mais esta triste página na história da nossa democracia parlamentar, salvou-se Teresa Leal Coelho, pela forma como recusou estar presente na votação e se demitiu da vice-presidência da bancada parlamentar. Já deputados do PSD como Francisca Almeida, e outros como ela, que garantiram à comunicação social que tinham a “intenção de votar contra” mas depois votaram a favor, serviram apenas para nos informar que a obediência ao partido se sobrepõe à obediência à sua consciência. Lamento, mas isso não chega a ser coragem – é apenas uma forma lastimável de atirar para a lama a dignidade do estatuto de deputado, como ontem já aqui sublinhou Rui Tavares, e uma desobediência clara ao artigo 155.º da Constituição Portuguesa, onde está inscrita uma frase que, se calhar, convém mandar imprimir e colar nas paredes do Parlamento: “Os deputados exercem livremente o seu mandato.” Se não é para o exercerem livremente, então mais vale irem para casa. Cinco líderes de bancada chegam perfeitamente para brincar à democracia. Sobretudo a uma democracia tão rasteira quanto esta.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

As coisas são o que são

O desemprego voltou a descer. Seja da sazonalidade, seja da limpeza de cadernos no centro de emprego, ou seja do emprego de menos de 10 horas semanais. Aqueles que negam que o desemprego está a cair e que atribuem a descida a truques estatísticos fazem-me lembrar aqueles que nos Estados Unidos, ainda há 2 anos, negavam que a inflação estivesse estável. Também esses acusavam o governo de truques estatísticos para esconder a subida da inflação.

A verdade é mais simples. O crescimento do PIB e das exportações e a queda do desemprego e das taxas de juro são boas notícias para Portugal, que bem necessitado delas anda.

Cabe à oposição demonstrar que estas boas notícias acontecem apesar do governo e cabe aos apoiantes do governo demonstrar que acontecem graças ao governo.

Argumentos há para todos os gostos, já os factos são factos.

sábado, 18 de janeiro de 2014

E os dois referendos sobre o aborto?

Anda por aí muita gente a apontar a contradição entre quem se revolta com este referendo e quem quis o referendo ao aborto. Por exemplo, alguém no Facebook, a propósito da entrada anterior, perguntou-me:
Houve dois referendos sobre o aborto. Pode-se usar a mesma lógica sobre cada primeiro-ministro?
Antes de responder directamente, gostaria de chamar a atenção para algo no plano moral. Não há qualquer tipo de comparação entre alguém que defende o direito à vida de um feto com alguém que nega a uma criança o reconhecimento legal do seu pai (ou mãe) de facto. Posso discordar de ambas as posições, mas não faço qualquer equivalência moral entre elas. Uma coisa é alguém fazer-se valer do referendo para defender aquilo que acredita ser uma vida humana, outra coisa é alguém recorrer ao referendo para negar a uma criança o reconhecimento da sua família real. No primeiro caso, há dois direitos em conflito, o da grávida e o do feto; no segundo, há apenas homofobia e maldade.

Dito isto, gostaria de responder à pergunta.

No primeiro referendo sobre o aborto, a despenalização do aborto foi aprovada na assembleia e foi o PSD, sempre o PSD, numa jogada de Marcelo Rebelo de Sousa, que atirou com o referendo para cima da mesa. Foi um golpe baixo, mas Guterres, que também se opunha ao aborto, foi na conversa. Há no entanto, uma grande diferença entre António Guterres e Passos Coelho. Guterres foi para referendo por ser contra o que foi aprovado na assembleia e foi para referendo sabendo que a sua base eleitoral não ia gostar dessa atitude. Ou seja, fê-lo por convicção e sabendo que isso o prejudicaria junto da sua base eleitoral. No caso de Passos Coelho passa-se ao contrário. Coelho já se declarou a favor da adopção por casais homossexuais. Foi para referendo por puro manobrismo político. Não há comparação.

Quanto ao segundo referendo, ainda menos dúvidas poderá haver. Tendo uma maioria na assembleia que lhe permitiria confortavelmente aprovar a despenalização do aborto, ao contrário do referendo que era de resultado incerto, o primeiro-ministro da altura fez a leitura política correcta. O chumbo do primeiro referendo exigia igual legitimidade popular para mudar a lei. O erro foi a existência do primeiro referendo. Não houve nenhum erro em tê-lo em atenção antes de tentar mudar a lei novamente.

Por muito mau primeiro-ministro que tenha sido, Sócrates esteve bem. Comparar essa atitude com a de Passos Coelho diminui intelectualmente quem faz a comparação.

Agora menos exaltado

Muitas vezes, e os blogues são propícios a isso, digo exaltado coisas de que me arrependo depois. A quente, a minha reacção ao episódio do referendo foi achar que PedroPassos Coelho demonstrava não ter estatuto moral para ser primeiro-ministro. Logo, várias pessoas, em privado e em público, me disseram que era descabido o que tinha escrito.

Agora, mais a frio, e depois de pensar um pouco melhor, mantenho exactamente a mesma opinião. Andar a brincar com procedimentos parlamentares em assuntos que prejudicam directamente umas quantas crianças que não vêem as suas famílias de facto ser reconhecidas é execrável e desprezível. Com este episódio, Pedro Passos Coelho demonstra não ter estatuto moral para ser primeiro-ministro.

Adicionalmente, e indo à substância da questão, demonstra não ter dimensão política, cívica e humana ao defender políticas que são reprovadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, de que Portugal faz parte. A tralha salazarista e salazarenta que dominou Portugal durante 40 anos não está órfã.

Carta aberta ao presidente da JSD e seus compagnons de route

CARLOS REIS DOS SANTOS 

Hesitei em decidir a quem me dirigir: não sei quem hoje é o mandante da JSD, nem a quem prestam vassalagem. Assim, terei de me dirigir ao presidente formal da JSD – e a quem deu publicamente a cara por uma das maiores indignidades que se registaram na história parlamentar da República.

Para vocês, que certamente não me conhecem, permitam-me que me apresente: sou militante do PSD, com o n.º 10757. Na JSD onde me filiei aos 16 anos, fui quase tudo: vice-presidente, director do gabinete de estudos, encabecei o conselho nacional, fui quem exerceu funções por mais tempo como presidente da distrital de Lisboa, fui dirigente académico na Faculdade de Direito de Lisboa, eleito com a bandeira da JSD, fui membro da comissão política nacional presidida por Pedro Passos Coelho, de quem, de resto, fui um leal colaborador. Quando saí da JSD, elegeram-me em congresso como vosso militante honorário.

Por isso julgo dever dirigir-me a vocês, para vos dizer que a vossa actuação me cobre de vergonha. E que deslustra tudo o que eu, e tantos outros, fizemos no passado, para a emancipação cívica, económica, cultural e política, da juventude e da sociedade.

Com a vossa proposta de um referendo sobre a co-adopção e a adopção de crianças por casais de pessoas do mesmo sexo, vocês desceram a um nível inimaginável, ao sujeitarem a plebiscito o exercício de direitos humanos. A democracia não deve referendar direitos humanos de minorias, porque esta não se pode confundir com o absolutismo das maiorias. Porque a linha que separa a democracia do totalitarismo é ténue – é por isso que a democracia não dispensa a mediação dos seus representantes – e é por isso que historicamente as leis que garantem direitos, liberdade e garantias andam à frente da sociedade. Foi assim com a abolição da escravatura, com o direito de voto das mulheres, com a instituição do casamento civil, com a autorização dos casamentos inter-raciais, com o instituto jurídico do divórcio, com o alargamento de celebração de contratos de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Estes direitos talvez ainda hoje não existissem se sobre eles tivessem sido feitos plebiscitos.

Abstenho-me de fundamentar aqui a ilegalidade do procedimento que se propõem levar avante: a violação da lei orgânica do referendo é grosseira e evidente – misturaram numa mesma proposta de referendo duas matérias diferentes e nem sequer conexas. Porque adopção e co-adopção são matérias que vocês pretendem imoralmente enfiar no mesmo saco.

Em matéria de co-adopção vocês ignoram ostensivamente o superior interesse das crianças já criadas em famílias já existentes e a quem hoje falta a devida segurança jurídica e protecção legal. Ao invés, vocês querem que os seus direitos sejam referendáveis. Confesso que me sinto embaraçado e transido de vergonha pela vossa atitude: dispostos a atropelarem o direito de umas poucas crianças e dos seus pais e mães, desprotegidos, e em minoria, em nome de uma manobra política. E isto é uma vergonha.

Mas é também com estupefacção que vejo a actual JSD tornar-se numa coisa que nunca foi – uma organização conservadora, reaccionária e atávica. Vocês empurram, com enorme desgosto meu, a JSD para uma fronteira ideológica em contradição com a nossa História e ao arrepio do nosso património de ideias e valores: o humanismo em matéria de liberdades individuais sempre foi nossa trave mestra. O que vocês propõem é uma inversão de rumo: conservadores na vida familiar mas liberais na economia. Eu e alguns preferimos o contrário. Porque o PSD, em que nos revimos, sempre foi o partido mais liberal em matéria de costumes e em matérias de consciência.

Registo, indignado, o vosso silêncio cúmplice perante questões sacrificiais para a juventude portuguesa. Não vos vejo lutar contra o corporativismo crescente das ordens profissionais e a sua denegação do direito dos jovens a aceder às profissões que escolheram. Não vos vejo falar sobre a emigração maciça que nos assola. Não vos vejo preocupados com muitas outras questões.

Mas vejo-vos a querer que eu decida o destino dos filhos dos outros.

Na JSD em que eu militei sempre fomos generosos: queríamos mais direitos para todos. Propusemos, entre tantas coisas, a legalização do nudismo em Portugal, o fim do SMO, a despenalização do consumo das drogas leves, a emancipação dos jovens menores e o seu direito ao associativismo. Nunca nos passaria pela cabeça querer limitar direitos.

Hoje vocês não se distinguem do CDS e alguns de vocês nem sequer se distinguem da Mocidade Portuguesa, ou melhor, distinguem-se, mas para pior.

A juventude já vos não liga nenhuma. E eu também deixei de vos ligar.

Jurista, militante do PSD n.º 10757 e militante honorário da JSD

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Fanatismo ideológico

O caso mais grave, ou mais óbvio, de fanatismo ideológico neste governo é o de Nuno Crato. É por fanatismo que se dedica a estragar o que de melhor se fez em Portugal nos últimos 20 anos. Ainda por cima, este ministro ficou simultaneamente com duas pastas: a da educação e da ciência. Se ao menos tivesse ficado só com uma, só estragava uma delas. Muito possivelmente, a longo prazo, os maiores danos que este governo está a fazer a Portugal são protagonizados por Crato.

Este comentário é a propósito de um excelente artigo de Daniel Oliveira.

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Referendo sobre a co-adopção

  1. Portugal é signatário da Convenção Europeia de Direitos Humanos
  2. Desde 1998 que Tribunal Europeu dos Direitos Humanos foi criado para garantir a aplicação da Convenção referida no ponto anterior.
  3. Portugal é um dos estados membros do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
  4. Este Tribunal já declarou, por mais de uma vez, que o direito à co-adopção é um direito da criança garantido pela Convenção Europeia de Direitos Humanos.
  5. Torno a referir, Portugal é signatário da Convenção Europeia de Direitos Humanos e é um dos estados membros do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
  6. Direitos Humanos não se referendam.
  7. Se é verdade que Pedro Passos Coelho se dedica a trafulhices legais para impedir a aplicação da Convenção Europeia de Direitos Humanos em Portugal, ainda mais tratando-se de crianças, então Passos Coelho não tem estatuto moral para ser primeiro-ministro de Portugal. 
  8. Repito, esta apreciação é no pressuposto de que a notícia é verdadeira. Se for falsa, eliminarei esta entrada

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Uma boa proposta

Será possível apresentar uma proposta económica em que as receitas fiscais aumentam imenso, na casa das centenas de milhões de euros, e em que quem paga os impostos fica a ganhar? Como bónus, teremos ainda as exportações e o PIB a aumentar e pessoas a sair da marginalidade integrando-se de corpo inteiro na sociedade.
O Plano C proposto proposto por João Miguel Tavares consegue todos estes objectivos. Porque não se executa esta proposta? Por preconceito.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Recolha de assinaturas

Após alguma pesquisa, os serviços de inteligência do blogue conseguiram apurar algumas personalidades conhecidas que há muito aderiram ao DDD. Uma vez mais em nome da unidade, aceito o desígnio de entabular conversações com a figura prestigiada de Christina Hendricks.

O segredo está na destreza

Em nome da unidade do blogue e da múltipla direccionalidade do DDD, declaro-me totalmente disponível para estabelecer convergências com outros movimentos DDD a nível internacional, nomeadamente este.

Para quem é bacalhau, basta

Em 2014 gostava que o Chefe de Estado fosse uma rainha. Mesmo se fosse um rei ficaria satisfeito. Mas contentava-me se Portugal pelo menos tivesse um Chefe de Estado.
Em 2014 gostava que Portugal tivesse um governo competente de direita. Mesmo se fosse só competente ficaria satisfeito. Mas contentava-me se Portugal pelo menos tivesse um governo.
Em 2014 gostava que os Delfins e os Pólo Norte não se ouvissem. Mesmo se fosse só afonia ficaria satisfeito. Mas contentava-me se passassem apenas na Renascença.

Nota do autor: a irónica vírgula do título está propositadamente no sítio devido.
Nota do editor: se a sarcástica nota do autor foi propositada, veio a despropósito.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Era mesmo impossível acomodar o chumbo do TC?

O chumbo do Tribunal Constitucional à convergência nas pensões provoca, de acordo com as notícias, um rombo de 388 milhões de euros para o Orçamento de Estado de 2014. Essa decisão foi anunciada no dia 19 de Dezembro.


Sendo 500 milhões de euros mais do que suficientes para compensar o rombo de 388 milhões, seria assim tão difícil imputá-los a 2014 e cumprir as metas previstas sem necessidade de andar a fazer mais cortes em pensões a partir dos 1000 euros? E, caso fosse de todo impossível transferir parte desse saldo, era assim tão complicado antecipar 500 milhões de euros de pagamentos do estado a fazer em 2014 para 2013? É mesmo necessário andar a espalhar o pânico com a ideia de ir rapar reformas de 1000 euros?

Claro que se pode argumentar que se isto tivesse sido feito o verdadeiro défice de 2014 não seria de 4%, mas sim de 4,2%. Esse argumento seria correcto, mas dado que o governo anunciou publicamente que, na sua opinião, a meta para 2014 deveria ser de 4,5%, qual seria o problema? Um esquema destes teria sido uma boa forma de cumprir contabilisticamente o acordado com a tróica e de, em termos económicos, ter uma solução mais próxima do óptimo que o Governo dizia defender.

Enfim, isto é só má vontade, ou foi mesmo impossível?

DDD ― um novo movimento em acção

A Destreza Das Dúvidas, sigla DDD ― não confundir com 3D, por favor ― vai-se transformar num movimento dinâmico e convergente. Queremos uma verdadeira convergência, sem divisionismos, em nome dos interesses do País. O nosso movimento não é para dividir, é para unir o país. 

Numa manifestação de abertura inaudita, a DDD está disponível para uma convergência com vários partidos em simultâneo. De acordo com os nossos estatutos, nada impede que um dos nossos associados conflua para o PS, outro para o PCP ou BE, outro para o PSD (desde que seja a versão social-democrata) e outro para o CDS. 

Manifestamos assim a nossa disponibilidade para candidaturas conjuntas com vários partidos já para as europeias que se avizinham. Se quiserem resolver os problemas do país, por favor, não deixem de nos contactar.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Um balanço possível de 2013

Artigo publicado originalmente no Público a 30 de Dezembro de 2013.

E assim se foi o peculiar ano de 2013

O legado de 2012 foi mau. O produto interno bruto (PIB) caiu mais de 3%, a emigração voltou a fazer parte do dia-a-dia das famílias e a taxa de desemprego subiu acima de 17%.
O Orçamento do Estado (OE) foi inconstitucional, mas o Tribunal Constitucional (TC) suspendeu a aplicação da Constituição nesse ano. Na frente europeia, por um lado, Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), anunciou uma política de apoio aos países em dificuldades. Por outro, as políticas de austeridade europeias mantinham os obstáculos ao ajustamento português. Foi com este pano de fundo que 2013 começou, sem novidades de maior, com a actividade económica a retrair-se e o desemprego a aumentar.
2013, possivelmente o ano mais original da vida económica, política e constitucional do Portugal democrático, começou em Abril. O TC chumbou quatro normas do OE 2013, com um impacto de 1300 milhões de euros. As primeiras boas notícias chegaram logo depois, ainda no segundo trimestre. O desemprego parou de aumentar e o PIB, surpreendentemente, voltou a crescer. Não é claro se o TC salvou o Governo das suas próprias políticas, ou se, pelo contrário, salvou a oposição do seu discurso, ao permitir-lhe construir uma narrativa da recuperação económica em torno do chumbo constitucional.
O vice-primeiro-ministro de Portugal considera que, à semelhança de 1580, Portugal perdeu a soberania. O TC afirmou-se como a aldeia que resiste ao invasor externo, protegendo a soberania constitucional. Adicionalmente, na opinião de muitos economistas, nos quais me incluo, este chumbo foi também uma pedrada de racionalidade económica num pântano de austeridade estúpida. A resistência manteve-se até ao fim, com os juízes a votar unanimemente a favor de questões como o alargamento para 40 horas da semana de trabalho dos funcionários públicos ou contra a convergência do regime de pensões do sector público.
O ano ficou também marcado pela relação de Cavaco Silva com a Constituição. Pudemos perceber que o Presidente da República, afinal, não jurou pela sua honra cumprir e fazer cumprir a Constituição. O seu juramento terá sido o seguinte: “Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e — depois de recolher e processar cuidadosamente toda a informação disponível, caso conclua que os custos de não o fazer sejam maiores do que os custos de o fazer — defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República.”
A demissão de Vítor Gaspar constituiu a saída de um dos ministros mais bem preparados deste Governo. Em 2007 e 2008, o ministro de Estado e das Finanças tinha publicado dois artigos académicos em que argumentava que o défice com o exterior, o endividamento das famílias e o endividamento externo eram o resultado benigno de um processo de ajustamento ao euro de que todos sairiam beneficiados. Em Junho de 2013, abandonou o Governo reconhecendo o seu fracasso. Com a sua carta de demissão, ficámos a saber que era o seu terceiro pedido de renúncia.
Incrivelmente, a sua sucessão não estava preparada, tendo dado origem à demissão irrevogável de Paulo Portas, ao golpe genial do primeiro-ministro em recusar essa demissão, à promoção de Paulo Portas a vice-primeiro-ministro e à desautorização do Presidente da República, que exigiu um acordo com o maior partido da oposição.
A longo prazo, não haverá nada mais determinante para a evolução de um país do que o seu capital humano. Nesse domínio, 2013 trouxe boas notícias. Os resultados do Programa Internacional para a Avaliação de Alunos de 2012 foram divulgados e confirmaram a excelente evolução dos estudantes portugueses. Nuno Crato, que em 2010 declarou que o Ministério da Educação devia implodir, viu os bons resultados das políticas dos seus antecessores explodirem-lhe nas mãos. Tal como Vítor Gaspar, Nuno Crato era dos poucos que tinham obra publicada sobre a sua área de governação. Infelizmente, a realidade veio mostrar que também Nuno Crato estava colossalmente errado. E continua.
2013 vai fechar com um PIB real igual ao de 2000. Depois de recuarmos 13 anos, finalmente conseguimos inverter a marcha. À medida que o ano se aproxima do fim, são cada vez mais as boas notícias. A descida da taxa de desemprego e o contínuo crescimento das nossas exportações são as melhores notícias. As metas acordadas com a troika serão cumpridas e as taxas de juro estão suficientemente baixas para se acreditar num regresso cautelar aos mercados em 2014.
Infelizmente, os efeitos nefastos desta crise serão perenes. De acordo com as últimas projecções, mais de 100.000 portugueses, na maioria jovens, emigraram em 2013. A juntar aos 120.000 que saíram em 2012, corresponde a 5% da população activa. A geração mais qualificada de sempre, e da qual Portugal depende para dar um salto qualitativo, ou está desempregada ou emigrada. A destruição do nosso capital humano é o maior legado que deixamos para os próximos 20 anos.

PS: Os artigos de Gaspar Macroeconomic adjustment to monetary union e Adjusting to the euro podem ser encontrados no site do Banco Central Europeu: http://www.ecb.europa.eu/pub/scientific/wps/author/html/author430.en.HTML