domingo, 28 de dezembro de 2014

A Prisão Preventiva numa democracia liberal


CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Título XVI 
Regras especiais 
CAPÍTULO I 
Prisão preventiva e detenção 
Artigo 123.º
Prisão preventiva
1 - A prisão preventiva, em conformidade com o princípio da presunção de inocência, é executada de forma a excluir qualquer restrição da liberdade não estritamente indispensável à realização da finalidade cautelar que determinou a sua aplicação e à manutenção da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional. 


Sobre a prisão preventiva, muitos não conseguem ver para lá de Sócrates. Num país em que cerca de 1 em cada 5 reclusos são presos preventivos, choca a incapacidade de ver além do odiozinho de estimação. 

Peguemos no último caso. Arnaut faz figura de pateta quando procura argumentar que se trata de uma perseguição a Sócrates. Objectivamente, Arnaut faz figuras ridículas quando fala de Sócrates, tal como outros antes dele.  É por demais evidente que os responsáveis pela cadeia apenas estão a aplicar regras cegamente e não a perseguir o ex-primeiro-ministro. Mas é por isso mesmo que este caso nos deve alertar. 

Se tratam assim um recluso quando sabem que estão a ser escrutinados ao milímetro, como não farão com outros? Custa muito perceber que José Sócrates é apenas a ponta do iceberg? Desprezar o que lhe acontece é desprezar todos os outros presos preventivos e suas famílias.

E, para mim, essa é a questão, com que legitimidade se desumaniza alguém? Com que legitimidade é que a nossa sociedade pega num cidadão presumivelmente inocente e o submete a um regime prisional em tudo semelhante ao de um condenado efectivo?  

Esqueçam, por momentos, José Sócrates. O que vos diria o bom senso relativamente à prisão preventiva? Dando de barato que seja necessária, e lembro que tal não é verdade em diversos ordenamentos jurídicos, terá sempre de ser excepcional e apenas na medida estritamente necessária, tal como garantido na Constituição da República (artº 28). Se vamos cercear a liberdade de alguém que, perante a lei, é inocente, devemos reduzir essa liberdade da forma menos agressiva possível. Isto é mero bom senso. Faz, ou devia fazer, parte dos princípios gerais do Direito.

Diz o João Miranda que por causa de Sócrates vamos ter de andar a rever dezenas de leis injustas aprovadas pelo próprio. Ao João Miranda, e a muitos outros que aplaudem este tipo de declarações, eu gostaria de dizer três coisas: 
  1. Se a prisão de Sócrates servir para tomarmos consciência da importância da liberdade será óptimo. Eu sei que parece ridículo dizer isto a alguém que se diz liberal e que faz da liberdade individual um valor quase absoluto, mas, claramente, não são só os apoiantes que ficam patetas quando falam de Sócrates. 
  2. Se essa tomada de consciência servir para rever alguns códigos e regulamentos, já não vai a tempo de beneficiar Sócrates, pelo que pode ficar descansado. Os beneficiados serão outros.
  3. Não é preciso andar a rever leis à pancada. As que existem, se aplicadas com bom senso, servem perfeitamente. Cito o nº 1 do artº 123 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas de Liberdade: A prisão preventiva, em conformidade com o princípio da presunção de inocência, é executada de forma a excluir qualquer restrição da liberdade não estritamente indispensável à realização da finalidade cautelar que determinou a sua aplicação e à manutenção da ordem, segurança e disciplina no estabelecimento prisional. 
Não devia ser necessário explicar isto, mas, num país em que a liberdade é regra e não a excepção, é evidente que a prisão preventiva tem de ser aplicada da forma menos restritiva e invasiva possível. Se uma pessoa que nem acusada foi não pode receber um livro, qual o valor que damos à liberdade em Portugal?

PS Agradeço a Teresa Pizarro Beleza a dica que deu no Facebook relativamente a este artigo do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.

Adenda
Diz o João Miranda, sarcasticamente: "Por isso, há boas razões, como sugere o LA-C, para ter esperança que vamos ter grandes mudanças liberais na sequência do caso Sócrates. As experiências anteriores mostram que legislar sobre casos, ou tendo em mente a indignação que os casos geram, é uma grande ideia."
Ainda bem que eu escrevi, e passo a citar, "Não é preciso andar a rever leis à pancada. As que existem, se aplicadas com bom senso, servem perfeitamente." E queixam-se os liberais de que passam a vida a distorcer o que eles dizem.

1 comentário:

  1. Caro LA-C,

    Independente de Sócrates, não percebo a necessidade para tanta prisão preventiva com a chegada dos meios de vigilância electrónica (que, na maioria dos casos, corresponde a prisão domiciliária). Partindo do príncipio que o maior risco será o de perturbação de prova (uma vez que, e pegando no caso Sócrates, a este é impossível fugir sem ser reconhecido e não me parece que estar em casa cause qualquer perturbação pública), isso não desaparece? Ponham o homem em casa e ele consegue interferir como?

    Se o problema são os telefones, escutem a linha fixa e bloqueiem os sinais de telemóvel (e, já agora, obriguem a ligação à internet a passar por routers instalados pela PJ, com restrições ao tipo de software ou serviços que podem ser acedidos).

    Mais, pode-se mesmo equacionar (a suportar pelo próprio, o que traria problemas de igualdade de acesso nos casos, mas adiante) que se o referido suspeito quiser sair de casa, o possa fazer acompanhado por um agente da polícia, que o deverá manter vigiado.

    O perigoso aqui é a ideia do julgamento sumário: foste preso logo és culpado. Não sei se ele é. Pessoalmente acho que sim, mas não sou juíz e isso para aqui não conta. Mas não acho legítimo que alguém seja condenado antes do julgamento, mesmo que apenas de forma aparente.

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