segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Dos cocheiros obsoletos que esmagam a concorrência

Tenho visto recorrentemente, em comentários no facebook e até nos jornais online, argumentar-se simultaneamente que o serviço de táxi tradicional é obsoleto, face à concorrência do uber e plataformas similares, e que os taxistas são uns malandros por quererem subir o preço em períodos em que haja maior procura pelos seus serviços

As duas posições são totalmente contraditórias. A ideia de que o serviço de táxi tradicional é obsoleto significa que é os clientes a certa altura, não muito distante, deixarão de o utilizar, a ponto de ele desaparecer por completo. A substituição do serviço tradicional pelas plataformas online seria uma força inexorável, e não haveria nada que os taxistas tradicionais pudessem fazer para o evitar – apenas podem adiar aquilo que é inevitável. Quando qualificamos os taxistas tradicionais de malandros por quererem subir o preço regulado, estamos preocupados que eles o queiram fazer para subir os seus lucros, às custas dos seus clientes. Ora, isto só acontece se tiverem um poder de mercado significativo, ou seja, se forem capazes de agir em grande medida de forma independente dos seus concorrentes. Porque, se não forem, ao subirem preços simplesmente perdem os clientes para a concorrência, não aumentando lucros nenhuns. 

Em que ficamos? São obsoletos e totalmente incapazes de concorrer, ou são de tal modo capazes de concorrer que, na ausência de regualação apertada, esmagariam a concorrência? 

9 comentários:

  1. Uma coisa que tenho pensado é se há alguma diferença real entre os táxis tradicionais e os não-tradicionais que não seja derivada dos segundos não estarem sujeitos à mesma regulação que os primeiros (e não estão sujeitos à mesma regulação porque são considerados serviços diferentes, numa pescadinha de rabo na boca).

    [O serem plataformas online não é uma verdadeira diferença, já que muitos serviços de taxi tradicional também têm apps e coisas do género]

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. É esse, em boa medida, o meu ponto, Miguel. Há regulação assimétrica para serviços que, em boa medida, e o tempo o mostrará, são largamente substituíveis.

      Eliminar
    2. Penso que apesar de tudo existe uma diferença significativa entre as "plataformas" e os taxis: o preço do serviço é conhecido nas plataformas ANTES da prestação do mesmo, e nos taxis DEPOIS. Isso leva a uma assimetria de poder de mercado significativa. Pessoalmente, acharia perfeitamente legitimo permitir aos taxis "surge pricing" desde que o preço associado ao serviço fosse disseminado por um mecanismo tecnológico, que permitisse a concorrência entre prestadores...

      Por outro lado, a questão de substituição também entra em consideração com aspectos reputacionais, que um dos serviços não tem e evita ter e o outro suporta explicitamente.

      Eliminar
    3. "Pessoalmente, acharia perfeitamente legitimo permitir aos taxis "surge pricing" desde que o preço associado ao serviço fosse disseminado por um mecanismo tecnológico, que permitisse a concorrência entre prestadores... "

      Era o ponto do meu anterior post.

      Eliminar
  2. A questão é mais complicada do que apenas a forma como tenta apresenta-la, Luís. Está a ver a questão sob o prisma do homem urbano info-smart. Há, porém, uma enorme parte da população fora deste estreito intervalo que usa os carros de praça tradicionais e nem sequer tem outra alternativa. Há dois casos principais: Fora das cidades onde a Uber existe, desde logo que, penso, em Portugal serão apenas Lisboa e Porto, não? E as pessoas que não têm smartphones também não têm como pedir um Uber. Depois alguns particularismos mais. Quem está habituado a apanhar sempre numa praça próxima, por exemplo. Ou empresas que têm contracto com industriais ou motoristas específicos e têm as suas necessidades sempre garantidas não podendo aceitar um serviço informal.

    Há várias necessidades que há que atender e a questão é mais complicada do que o que parece à primeira vista. Do outro lado da questão há os interesses dos motoristas de praça e dos industriais do sector (cada vez há mais destes do que daqueles...) que estão entrincheirados em previlégios antigos, daí não se mexem e nenhum governo quer comprar uma guerra com eles.

    A regulação proposta pelo governo não me parece que ande mal encaminhada e cria uma situação semelhante à que existe em Malta há várias décadas, desde muito antes destas tecnologias modernas. Mas, "não andar mal encaminhada" não é sinónimo de ser ideal e aí é que a coisa se torna mais complicada.

    Soluções ideais? Liberalização total? Não. Mas se adicionarmos a palavra "quase" talvez não seja mau de todo. Nomeadamente e desde logo a abolição dos alvarás munipais substituídos por uma licença passada por carro a quem a pedir mediante o cumprimento de condições mínimas. Mas disto os agentes do sector não querem nem ouvir falar e o governo não tem coragem para comprar essa guerra. Formação dos motoristas... É um caso mais bicudo dado haver muitos que não precisam realmente dela mas muitos também que nem com 5000 horas de formação conseguem entender os rudimentos da boa educação. Não sei o que dizer quanto a este item. Seguros, o seguro básico de responsabilidade civil é suficiente e não há motivos para mais. Ou seja, regulação mínima válida para todos embora isto seja precisamente o que os industriais do sector não querem. Nomeadamente a abolição dos alvarás é anátema.

    Onde quero chegar com tudo isto é a que os carros de praça tradicionais são necessários e têm que continuar a existir mas não faz qualquer sentido coartar a evolução tecnológica como também não faz perpetuar previlégios antigos em deterimento do consumidor. Parece-me que o caminho é aproximar as normas aplicaveis à praça da informalidade da Uber e não o oposto. Mas em simultâneo o governo não quer comprar essa guerra. Com estes constrangimentos não é fácil. Ainda se ao menos o governo fosse corajoso o problema resolvia-se. Mas assim...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Zuricher. Depois do Alexandre ter-me chamado metro-liberal, agora sou um urbano info-smart. Não percebo porque é que acha que a minha análise enferma desse mal. Se se refere ao presente post, repare que a única coisa que defendi foi que a posição de que os táxis tradicinais são obsoletos, e que é preciso o tipo mais intrusivo de regulação, são mutuamente exclusivos. Se se refere ao meu anterior post, em que expresso uma visão que, implicitamente, aponta para uma posição intermédia (não sei se é competitivo ou não, mas é possível que o seja para determinados segmentos de mercado, e é importante desregular para perceber se assim é), parece-me que temos posições semelhantes, no que à existência desses segmentos de mercado diz respeito (os tais que não são info-smart, por exemplo). Note, no entanto, que a existência de segmentos de mercado vulneráveis não implica que se tenha de regular todos os segmentos de mercado. Nas telecomunicações, por exemplo, existe o serviço universal para acautelar clientes que precisam de acesso à rede telefónica pública a partir de um local fixo, mas não têm esse acesso porque não é do interesse comercial dos operadores. Os preços de retalho definidos para todos os outros segmetnos de mercado são livres. Podia-se por exemplo, no extremo, regular os preços dos táxis nas zonas rurais. Existe toda uma panóplia de soluções. Não me parece é que a regulação incrivelmente intrusiva do sistema tradicional de táxis seja eficiente e proporcional, atendendo à evolução tecnológica e às alternativas que existem.

      Eliminar
    2. Luís, muito longe das minhas intenções estava dar ao termo "urbano info-smart" qualquer conotação pejorativa. Não entenda dessa forma porque, de todo em todo, não é essa a intenção com que está escrito. Usei esse termo por oposição aos não urbanos e aos info-excluídos. Tão somente isto.

      All in all estamos próximos, sem qualquer dúvida, na necessidade de aliviar a regulamentação sobre o sector. Há depois as especificidades da coisa e aí é que podemos deparar-mo-nos com alguns engulhos que tornam a expressão prática mais dificil. E isto válido também no meio urbano onde nem toda a gente é "urbana info-smart". A regulação por segmentos é inviavel neste meio. Como muito pode haver um mercado livre, como é actualmente a Uber, e um mercado sujeito a tarifas fixas como é actualmente o dos carros de praça. A regulação por áreas geográficas já existe na questão tarifária com vários municípios do país sem sequer terem a tarifa urbana dado funcionarem com praça fixa e o cliente pagar sempre o retorno do carro à praça de origem. Mais além do que nestes pontos é complicado. Não faz muito sentido que um motorista de praça em Lisboa tenha uma formação mas um motorista de praça em Santiago do Cacém não tenha que a ter. Não faz muito sentido que existam alvarás em Miranda do Douro mas não no Porto.

      Ou seja, all in all estamos de acordo na questão do desregulamentar. O que tentei foi alertar para a expressão prática do conceito que é mais complicado do que pode parecer à primeira vista.

      O que está a falar com o iv, surge pricing, já existe em várias cidades pelo mundo com tarifas mais elevadas em certos dias específicos ou mesmo suplementos específicos para corridas com origem ou destino em certos pontos da cidade, normalmente aeroportos e estações ferroviárias. Dar o passo seguinte que, sem dúvida, seria o ideal, ou seja, preços variaveis consoante a oferta e a procura em cada momento (que é o que a Uber faz) seria sem dúvida o ideal. É, de resto, algo em que se tem trabalhado em vários sítios, principalmente nos EUA. A questão é que não se consegue uma forma tecnica de efectivamente aplicar esse ideal. Se toda a gente pedisse o carro via smartphone ou mesmo central telefónica era uma coisa. Mas essa não é a única forma de usar os serviços do carro de praça nem sequer, provavelmente, maioritária. Pode apanhar-se o carro numa rua qualquer simplesmente levantando o braço quando se vê um. Pode apanhar-se numa praça, algo muito comum. Conseguir aglutinar tudo isto de forma dinâmica, ou seja, aplicar yield management aos carros de praça, embora ideal é muito complicado.

      Em países mais rudimentares, nomeadamente em grande parte de África as corridas são pedidas e o preço combinado com o motorista antes de começar a viagem e até o ideal é combinar-se o preço antes de entrar no carro. Em cidades com muito movimento e onde a vida funciona a outro ritmo esta opção não é tão viavel. Imagine um cliente mandar parar um carro na Rua da Conceição e depois ficar 3 ou 4 ou 5 minutos a regatear o preço com o motorista. Não é viavel, não é? Mesmo nas praças é complicado e potencialmente causador de tumultos. Organizar leilões em praças não faz muito sentido.

      Daqui que volte ao princípio: partilhamos o ideal. A aplicação prática é que é mais complicada e não tem sido por falta de se investigar em busca duma solução que permita faze-lo e é para isso que alerto. Para as praticalidades da coisa.

      Eliminar
  3. Quais os riscos da abolição do sistema de alvarás de táxi? da liberalização total da atividade de transporte em viatura ligeira?
    Penso que já li em algum lado que em Nova Iorque houve uma proliferação de táxis excessiva que levou à implementação deste sistema mas não tenho a certeza. Por outro lado sei que por exemplo o sistema da "vans" que existe no Brasil é normalmente visto como uma "praga" a eliminar pelo que certamente alguns problemas há de apresentar.

    Gostaria de perceber as razões históricas que levaram à criação do sistema de alvarás de taxis e se estas se mantêm válidas na atual realidade portuguesa.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Rui, não há riscos propriamente dado que o mercado acabaria por regular a oferta em função da procura. Claro que, pelo menos num primeiro momento, haveria uma oferta excessiva mas a médio prazo tenderia para o equilibrio.

      Não compare o serviço de praça sem alvarás com as vans existentes no Brasil, pela América Latina em geral bem como em África e em países do Extremo-Oriente. Levantar as restrições de acesso à actividade não é sinónimo de desregular integralmente o serviço. Embora, convenhamos, muita da regulação pode perfeitamente ir pela janela.

      De qualquer forma isso, que seria o ideal, não irá acontecer. É a coisinha a que os industriais da praça mais se opõem e mesmo quando as câmaras aumentam o número de alvarás há uma chuva de protestos que nunca mais acaba. Os motoristas de praça e industriais do sector detestam que se lhes aumente a concorrência e protestam tudo o que podem. O governo não terá força para os contrariar. De resto não é um exclusivo Português. Em todos os países há esta férrea oposição da praça à concorrência, seja ela qual for.

      Eliminar

Não são permitidos comentários anónimos.