segunda-feira, 20 de março de 2017

O Executivo que não executa

Nos EUA, há uma clara distinção entre o poder legislativo (Parlamento) e o poder executivo (Presidente) e são eleitos separadamente (cf. com o caso português em que o poder executivo é formado como resultado das eleições para o Parlamento). Durante a Presidência de George W. Bush e devido à ameaça de terrorismo, o Congresso americano concedeu mais poderes ao Presidente através do Patriot's Act, relativamente a questões de segurança. O Presidente pode agora enviar tropas para conflitos internacionais sem pedir autorização ao poder legislativo. Obama conseguiu, assim, aumentar o uso de ataques através do uso de drones, "assassinar" terroristas-alvo como Osama Bin Laden ou Anwar al-Awlaki (este último um cidadão americano), etc.

Foram estes poderes que permitiram a Trump emitir a ordem executiva que ficou conhecida como o "Muslim Ban", sem informar o Congresso, suscitando mais uma vez a questão de o Presidente ter demasiados poderes e não respeitar o poder legislativo, nem o judicial. Trump não tem problemas em exigir que os outros dois poderes sirvam o executivo: quando Trump acusou Obama de ter colocado escutas na Trump Tower, a acusação foi seguida por um pedido da Casa Branca para que o Congresso investigasse as escutas, o que levou Michael Hayden, antigo director da CIA, a afirmar que Trump se esqueceu que era Presidente, pois como Presidente tinha à sua disposição poderes que lhe permitiam saber o que Obama tinha mandado investigar.

Hoje, James Comey, director do FBI, negou que a Trump Tower tivesse sido alvo de escutas, mas Trump já emitiu tweets a dizer que a grande história que o Congresso e o FBI deviam estar a investigar é a fuga de informação confidencial, como as revelações dos encontros entre representantes de Trump com oficiais russos: a fuga é que é o crime, os encontros em si são "fake news", apesar de terem ocorrido.

A máquina diplomática americana está fragmentada, talvez prestes a ser desmantelada. O orçamento do Secretary of State, Rex Tillerson, vai sofrer um corte de 29%; quando Tillerson vai em visitas de estado não vai acompanhado pelos sub-secretários pois ainda não foram nomeados, nem se sabe se serão. Na visita ao Japão, Tillerson não visitou a embaixada americana em Tóquio, o que afecta a moral dos diplomatas americanos.

Tillerson também não foi acompanhado por uma entourage normal dos media americanos; em vez disso, levou apenas apenas uma jornalista, Erin McPike, do Independent Journal Review, uma website conservadora, que se especializa em notícias de cariz "viral" fundada em 2012. Teme-se que enquadramento da visita aos países asiáticos seja dado por órgãos de comunicação social estrangeiros -- o ponto de vista americano fica omitido das notícias, o que pode não ser do interesse dos EUA, especialmente em visitas a países como a China.

Também na área da Justiça, nota-se que há muita pressa em desfazer: o Attorney General Jeff Sessions, há semana e meia, convidou 46 District Attorneys que foram nomeados por Obama a demitir-se (tanto Bush como Obama optaram por uma estratégia de transição, em que os DAs se demitem lentamente; Clinton seguiu uma estratégia semelhante à de Trump), não se sabendo quando haverá nomeação de substitutos.

Trump, que muitas pessoas viam como uma pessoa dinâmica porque vinha do mundo de negócios, está a efectuar uma transição de governo extremamente lenta, que parcialmente é explicada pelo próprio, que admite que não compreende o que estas pessoas fazem, logo não as quer nomear se não sabe o que fazem; no entanto, o que o Presidente "não sabe" está a ganhar importância.

No programa de rádio "Think", Kris Boyd perguntou a P.J. O'Rourke, jornalista e autor de "How the Hell Did This Happen? The Election of 2016" se os candidatos a Presidente não deviam passar um exame de conhecimento básico de educação cívica e do funcionamento da Democracia americana. O'Rourke responde que seria desejável, pois a seu ver Trump nem sequer sabe o processo de criação de uma lei. O'Rourke equiparou a eleição de Trump a contratar para capitão de um navio uma pessoa que não saiba a diferença entre estibordo e bombordo.

Cada vez mais se nota que os EUA estão a navegar ao sabor do vento, sem instrumentos. Se os ventos forem amenos, tudo correrá bem; mas não há ventos amenos que durem para sempre.





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